sexta-feira, 26 de setembro de 2014

BMH Entrevista - Bráulio Tavares



Poeta, escritor, roteirista, cantor, compositor... Esses são alguns atributos do nordestino de Campina Grande-PB, Bráulio Tavares, ou Trupizupe, o Raio da Silibrina, como pode ser chamado. Parceiro de grandes nomes da MPB, como Lenine, Elba Ramalho, Zé Ramalho, além de outros não tão expressivos no cenário nacional, mas não menos importantes como Ivanildo Vilanova (com quem fez a música Nordeste Independente), Bráulio se mostra um gênio da cultura popular brasileira e nordestina. Atualmente, Bráulio tem seu espaço na internet, através do blog Mundo Fantasmo ele posta diariamente artigos. Ao participar da X Feira do Livro de Mossoró, o Trupizupe nos deu a honra de uma entrevista para o nosso blog, onde fez revelações interessantes e curiosas, sempre com a sua inteligência digna do repente nordestino.  


BMH - Literatura, música ou cinema, quem veio primeiro? E, para você, qual a relação entre essas três artes? 

Bráulio Tavares - A literatura veio antes de tudo. Sou um leitor muito precoce, porque meu pai era jornalista e poeta, e eu fui ciado numa casa cheia de livros. A música veio também na infância, com o rádio. O cinema, pra valer, apenas a partir dos 16 anos, quando entrei para um Cineclube. Profissionalmente, sempre quis ser escritor. Meu trabalho como compositor é uma decorrência disso, porque sou basicamente letrista, e em função disso comecei a compor e cantar. Para mim, a relação entre as três coisas (e tudo o mais que faço - teatro, TV) é sempre o texto. Sou um criador de textos: contos, poemas, artigos de jornal, letras de música, roteiros de cinema. Vivo em função do texto.

BMH - Você já falou que a crítica te considerou o cantor mais desafinado da música brasileira, porém outra parte da crítica já te considerou o escritor mais afinado da literatura nacional. Até que ponto ser desafinado influencia na sua performance no palco, se você contem músicas com bons conteúdos?

Bráulio Tavares - Aquilo foi uma brincadeira minha quando estava gravando o clip. Na verdade, a crítica nunca se pronunciou a meu respeito. Não me lembro de jamais ter saído uma matéria comentando um show meu. Meus álbuns de recortes têm entrevistas, artigos falando sobre mim de um modo geral, anunciando o show "de hoje à noite", mas críticas pós-show... nada! Eu não sou mais desafinado do que a maioria dos que grava discos profissionalmente. A verdade é que não gosto muito da minha voz porque a considero pouco expressiva. O problema nem é de afinação é de pouca carga emocional, talvez, mas isso não é algo que se possa simplesmente resolver mudar. A voz é assim, e tchau. E o importante pra mim são as letras das minhas canções.



BMH - Suas músicas trazem um quê literário e poético, fugindo e se diferenciando de uma indústria cultural vigente na atualidade. O que você pensa sobre essa produção em massa de música para comercialização? 

Bráulio Tavares - Não me vejo dentro da "indústria cultural vigente", mesmo tendo muitas músicas gravadas. Canto sempre para públicos de no máximo 300 ou 400 pessoas, na grande maioria não passando de 100 ou 120. É um trabalho totalmente autoral, e o que os outros fazem d carreira deles é problema deles, não meu. A música é um produto de massa que gera bilhões de dólares, mas para mim é um meio de comunicação, em pequeniníssima escala, com pessoas que eu não poderia atingir de outra forma. Neste sentido, sou um compositor/cantor amador (pois não vivo disso), com um trabalho de comercialização restrita (os pequenos públicos a que me referi). Isso é compensado pelo fato de que minhas músicas foram gravadas por alguns amigos (Elba Ramalho, Lenine, Antonio Nóbrega) e alguns artistas famosos que não conheço pessoalmente (Tim Maia, Ney Matogrosso, Maria Rita, MPB-4, etc.) e isso me colocou num patamar que muitos compositores na mesma faixa que eu não alcançaram. Mas minha posição é fora do circuito da indústria musical, e não dentro dele.

BMH - Imagine o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente. Seríamos um povo patriota, Bráulio? 

Bráulio Tavares - Nunca pensei em propor que se separasse o Brasil, sou anti-separatista ferrenho. Essa música é uma ironia. É como uma ameaça, apenas para aumentar a auto-estima do Nordestino. Quero o Brasil unido, sem que os paulistas desprezem os paraibanos, e sem que os paraibanos desprezem o pessoal do Amapá ou de Roraima. Os males do Nordeste, além dos que lhe advêm do Brasil como um todo, são males próprios. Se fossemos um país à parte provavelmente seríamos governados pela família Sarney. Não me parece uma boa alternativa.

BMH - Como você analisa a relação entre a juventude nordestina e o futuro da cultura popular nordestina? A cultura da viola, do cordel, do repente, do cocô, sobreviverão em meio a essa globalização cultural que compromete "culturas-não-midiáticas"? 

Brálio Tavares - Acho que há um momento difícil, não por culpa da juventude nem da cultura popular, mas porque existe uma indústria do entretenimento barato disposta a "passar o rodo" em tudo para obter lucro. O problema é essa gigantesca massificação de axé, forró eletrônico, falsos sertanejos paulistas e tudo o mais, apoiado pelas grandes redes de TV, pelos políticos que proporcionam concessões de rádios espalhadas pelo Brasil, na mão de gente inescrupulosa que as usa para enriquecer. Além do mais, usam métodos dos gangsters, perseguindo, ameaçando, sabotando, fazendo tudo para atrapalhar quem não reza pela cartilha deles. O problema nem é a música ser ruim, são os métodos de que ganha dinheiro com ela. A juventude em geral é simpática à cultura popular, mas a cada nova geração que surge e que é proibida de ter contato com essa cultura, esse vínculo vai se tornando mais tênue. Estamos no meio de uma guerra e não há como prever o resultado. Acho a cultura popular uma coisa capaz de grande resistência, mas talvez ela consiga apenas sobreviver, em pequena escala, num momento em que poderia perfeitamente estar se ampliando e ganhando novos públicos, se esses caminhos não lhe estivessem vedados.



BMH - Você já cursou dois cursos universitários: cinema e ciências sociais. O que a universidade te ensinou de principal e o que ela deixou de ensinar? Se puder comente o porquê da escolha dos cursos.

Bráulio Tavares - A universidade me ensinou o rigor, a precisão na informação e nos raciocínios. Dar indicações bibliográficas precisas. Consultar sempre a versão original, e não o texto citado por alguém. Checar mais de uma fonte, em assuntos delicados ou polêmicos. A maioria dos pesquisadores não-acadêmicos erra geralmente nesses aspectos. Como não sou apenas ficcionista, sou também crítico e pesquisador, precisei dos meus anos de universidade e da influência e conselhos de vários professores, para desenvolver esse meu lado. Escolhi estudar Cinema porque na época fazia cineclube em Campina Grande e queria fazer cinema de qualquer maneira. Pensava em ser diretor, mas também montador ou roteirista (essas duas coisas acabei fazendo mais tarde). Depois, escolhi Ciências Sociais porque queria estudar antropologia, folclore, sociologia da cultura, essas áreas de estudo. E porque muitos amigos meus na época já faziam esses cursos: José Umbelino Brasil, Bolívar Vieira, Tito Carlos da Rocha, Hermano Nepomuceno, Elba Ramalho, etc.

BMH - Você se considera uma pessoa bairrista? 

Bráulio Tavares - Não sou bairrista no sentido de "meu país (minha cidade, etc.) é melhor do que todos os outros". Nasci em Campina Grande, morei em Belo Horizonte dos 19 aos 21 anos, morei em Salvador dos 27 aos 30 anos, moro no Rio de Janeiro dos 32 anos até agora. Amo todas essas cidades e as considero como minhas. Sem falar em outras que também fazem parte de minha história pessoal e profissional, como Recife, João Pessoa, São Paulo... Vejo as qualidades e os defeitos de cada uma, como se fossem pessoas queridas, a cujos defeitos não posso fechar os olhos, mas posso conviver, criticar. Em minhas entrevistas sempre procuro falar de Campina Grande, porque é uma cidade com muitas qualidades, e para mim foi o começo de tudo.

BMH - Atualmente, é notório o alto nível de estrangeirismo na nossa cultura, nos campos musicais, na literatura, entre outros. Como você analisa esse "imperialismo linguístico e cultural", principalmente da cultura americana? 

Bráulio Tavares - É resultado da força econômica norte-americana. Somos consumidores compulsivos de cultura norte-americana. Como não posso evitar ou combater isso -- são decisões macroeconômicas entre governos e empresas, por mais que a gente esperneie não pode fazer nada -- procuro pelo menos batalhar pelo que há de bom. Se estamos submersos em rock americano, pelo menos vou encher a bola dos cantores e das bandas que me parecem ser de boa qualidade. Não podemos mandar tudo embora. Vamos pelo menos, entre o que somos forçados a aceitar, ter um crivo exigente de crítica e de qualidade, rejeitar o lixo cultural. Isso vale para a música, o cinema, a literatura, tudo. Não temos que recusar o que é estrangeiro, temos que criticar e escolher com muito critério.



BMH - O que é compor? 

Bráulio Tavares - Criar uma melodia e depois encaixar uma letra, de sílaba em sílaba.

BMH - O que é música? 

Bráulio Tavares - Matemática que se percebe com o corpo inteiro.

BMH -O que é ser musicalmente humano? 

Bráulio Tavares - Saber usar a música tanto para pensar sozinho quanto pra se envolver coletivamente.

BMH - O cinema brasileiro é... 

Bráulio Tavares - O retrato possível de uma situação impossível.

BMH - Aquele que ler...

Bráulio Tavares - ...aprenderá uma nova maneira de pensar.

BMH - Um filme? 

Bráulio Tavares - "Estamira", documentário de Marcos Prado sobre uma catadora-de-lixo esquizofrênica.

BMH - Um livro? 

Bráulio Tavares - "O Longo Adeus", policial de Raymond Chandler que traduzi recentemente.

BMH - Uma série?

Bráulio Tavares - "Breaking Bad", uma dura reflexão sobre as drogas.

BMH - Uma composição sua que você gosta muito (música ou livro)?

Bráulio Tavares - Meu livro de contos "A Espinha Dorsal da Memória", minha música "O Marco Marciano" (com Lenine).

BMH - Uma música que gosta muito?

Bráulio Tavares - "Desolation Row", Bob Dylan.






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