sexta-feira, 23 de maio de 2014

BMH Entrevista - Fábio Roberto


Chorão conhecido em Mossoró, integrante do grupo de choro Ingênuo, professor do Conservatório de Música D'Alva Stella Nogueira Freire (UERN), graduado em música, especialista em artes e musicoterapia. Esse é o currículo de Fábio Roberto Monteiro, nascido no dia 30 de junho de 1980, dia em que o Papa João Paulo II chegava ao Brasil. Por esse fato, segundo o próprio relato, teria o nome de João Paulo, mas como a tia gostava muito de Fábio Júnior e a mãe era fã de Roberto Carlos ganhou o nome de Fábio Roberto, a junção dos nomes desses dois cantores brasileiros. Como ele próprio disse, tinha a música como sua sina. Uma entrevista musical com o Fabinho do cavaco.


Blog MH - Como começou sua relação com a música?

Fábio Roberto - Minha relação com a música começou quando eu fui coroinha da igreja do bairro paredões, Mossoró, e lá tinha um projeto chamado de Projeto Esperança, idealizado pelo Padre Guido Toledo, esse projeto reunia o pessoal do bairro. Neste projeto eram ofertados muitos cursos, inclusive cursos de música. Então, comecei a me envolver com a música quando eu entrei no curso de percussão. Depois daí, um amigo meu que conheci no Projeto Esperança, me chamou para montar um grupo de pagode, na época o pagode estava em alta, e então montamos o “Swing do Samba”. Esse meu amigo tocava percussão muito bem e também, cavaquinho, então começamos a banda comigo tocando tantam. Certa vez o braço do cavaquinho da banda, que não era muito bom, rompeu e então, o meu amigo cavaquinista o abandonou. Assim, eu pedi para que ele me deixasse ficar com o cavaquinho para eu tentar aprender alguma coisa. Ele me deu o cavaquinho, eu consertei o braço, mandei colar, e comecei a estudar. Daí eu comecei a gostar, e me identificar com o cavaquinho, que foi meu primeiro instrumento, nessa época eu tinha de 17 a 18 anos, idade que muitos consideram tarde para o começo de uma carreira musical, quando a idade indicada para se começar a estudar música, para se tornar um grande músico, é de 6 a 10 anos.  Então eu comecei a tocar cavaquinho na nossa banda Swing do Samba. Lembro que nessa época eu ia ver um senhor chamado Totonho que tocava cavaquinho, mas como ele era canhoto eu não conseguia compreender bem os acordes que ele fazia e foi aí que entrei na escola de artes da prefeitura de Mossoró e comecei a ter aulas com o professor Carlos Batista. Nessa época a nossa banda já tocava em alguns lugares, na noite. No decorrer que eu fui estudando música, a banda também foi se estruturando, aumentando o número de instrumentos e assim foi se tornando algo mais sério, já que antes era mais uma brincadeira. Lembro que nessa época, em Mossoró, tinha tudo do samba: Inalasamba, entre outras e também Swing do Samba. Quando eu vi que eu estava desenvolvendo o estudo do cavaquinho, optei por entrar no Conservatório de Música, e assim foi, tentei, mas não passei na primeira vez, fiquei na suplência, mas aí alguém desistiu, me ligaram e disseram que tinha uma vaga. Assim eu consegui entrar no conservatório (nada foi fácil!). No conservatório eu queria aprender cavaquinho, mas não tinha professor. Então apareceu uma vaga para cavaquinho no Grupo de Chorinho do Conservatório, já que faltava cavaquinho. Eu fiz o teste, o pessoal gostou e eu entrei para o grupo. Esse foi mais um estímulo para que eu desenvolvesse mais ainda meus estudos, já que eu participava então do grupo de chorinho do Conservatório de Música de Mossoró, acompanhando pessoas muito mais experientes que eu, como: maestro Batista, Lima Neto entre outros. Assim começou minha carreira musica.

Blog MH – Como se deu a escolha da música como sua profissão?

Fábio Roberto – Eu acredito que quando as coisas têm que ser, elas caminham naturalmente. Eu participava do grupo de chorinho e fazia um curso de manutenção de computadores. Eu já tinha certa experiência nessa área e a instituição encaminhava os alunos com melhores notas para algumas empresas. Eu fui encaminhado, então, para uma loja bem conceituada daqui da cidade. Nesse caso, eu teria que deixar o grupo de chorinho para começar a trabalhar lá. Mas aí o gerente da loja disse que não ia dar certo, pois já tinham sido indicados antes alguns alunos do IFRN, na época o CEFET (que era uma instituição bem mais conceituada) e então fiquei sem meu emprego, mas com a promessa do gerente da loja de me encaminhar para outro local que estava precisando de um técnico. Na semana que iam me encaminhar para outra loja, Lima Neto, do grupo de choro do Conservatório, me falou que eu iria começar a receber uma bolsa para tocar no grupo. A bolsa era menor que o salário da loja, mas aí eu analisei o que eu queria para a minha vida. Foi nesse momento que parei, pensei e vi que seria músico. O engraçado é que antes eu não pensava em ser professor, lembro que no início de tudo e com um cartão de um amigo, eu comprei umas videoaulas para aprender cavaquinho e esse amigo me falava que eu iria utilizá-las para ensinar para meus alunos, mas eu não me imaginava como professor. No fim terminei utilizando essas videoaulas com meus alunos (risos). Outra decisão importante que tive que tomar foi quando eu participava do grupo samba nobre, na época se chamava Faixa Nobre, e já tinha conseguido entrar na universidade, no curso de música. Meu tempo estava muito cheio, tinha monografia, outras disciplinas da faculdade, tinha meus choros para fazer... Então eu pensei: ou eu continuo na banda, onde era muito bom o ambiente e eu me divertia muito, ou terminarei o curso regular e no tempo certo. Então fui falar com André da Mata (cantor da banda) e disse para ele que gostava muito da banda, mas iria priorizar a faculdade. E assim, consegui terminar o curso no tempo certo, o que me possibilitou participar e passar no concurso de professor para o Conservatório, onde estou até hoje.

Blog MH – Até agora deu para perceber que o choro é bastante importante para você. Mas como você vê a importância do choro para o Brasil?

Fábio Roberto – Além do Ingênuo (grupo de choro da universidade) onde estou há 14 anos, também sou coordenador do Cá entre Nós, outro grupo de choro daqui da cidade. Na verdade o choro é o avô dos outros gêneros (samba, bossa nova) porque no início o choro era a maneira de tocar as músicas europeias e passou a ser totalmente brasileiro porque tocavam de uma maneira que não se tocava na Europa. Depois foram criados alguns padrões, como: as três partes do choro, B, A e C; contraponto; Improvisos. Depois do choro vem o samba, a bossa nova... mas o choro é o primeiro gênero totalmente brasileiro, apesar de muitos historiadores musicais alegarem que antes dos portugueses chegarem aqui, existia músicas indígenas com flautas, flautas de nariz entre outros instrumentos típicos. Mas com harmonia, melodia e ritmo, o choro foi o primeiro gênero musical brasileiro. Um gênero de alta qualidade, não é todo mundo que toca um chorinho.

Blog MH – Como você vê o choro no Brasil nos dias de hoje?  

Fábio Roberto - O choro passou por várias transformações. Ainda existem chorões que seguram a bandeira do choro mais tradicional, já outros que são mais modernos. Por exemplo o Hamilton de Holanda e o próprio Yamandu Costa, são considerados chorões, porém eles têm a influência do jazz entre outros gêneros, e vai aos poucos incrementando isso no choro...

Blog MH – Você acha isso válido, Fábio?

Fábio Roberto - Eu acho legal. Penso que a música tem que evoluir sempre, mas não se pode esquecer as tradições, pois se você modernizar demais vai deixar de ser choro, perde a identidade. Porém se existe equipamentos mais modernos, como: captadores, microfones e até instrumentos que venham para melhorar a qualidade sonora, a gente tem que utilizar, assim como estudos, como: escalas e harmonias.

Blog MH – Como você definiria a música?

Fábio Roberto – Para mim primeiramente vem Deus, depois minha família e depois a música. Toda hora eu penso em música, por exemplo, nesse momento eu estou conversando com você e já estou com uma música na cabeça. Para falar um conceito sobre música é difícil. A música é muito abrangente, não teria um conceito formado agora para te falar agora.

Blog MH – Então você acha que o ser humano está longe de encontrar um conceito pleno sobre a música?

Fábio Monteiro – O ser humano em geral ainda não entendeu a importância da música para ele. Pela música é possível transformar uma pessoa de várias formas. Se o homem entendesse isso seria tudo melhor. Até mesmo as músicas que tocam nas rádios podem influenciar toda uma população, civilização, tanto para o bem quanto para o mal. Já existem pesquisas comprovando que vacas que escutam música dão melhor leite, ou aplicação de música clássica para bananeiras e as bananas nascem com um gosto melhor. Então, se o vegetal sofre influência, imagine um ser o humano. Então é difícil descrever com palavras o que é.   

Blog MH- Como a educação musical pode ajudar na transformação por um mundo melhor?

Fábio Roberto – Se os governantes dessem a devida importância à música, ou ao menos fizessem valer essa lei (nº 11.769, que obriga a música nas escolas) iria beneficiar muita gente. Daria emprego para os graduados em música (licenciatura), incentivaria as pessoas a terem uma melhor cultura, uma vivência e um estudo mais aprofundado dentro da música. Através disso as pessoas começariam a ter uma maior consciência sobre o poder da música sobre o ser humano. Infelizmente os governantes deixam de valorizar não só a música, como também a arte como um todo. A educação é a base de tudo, quando você tem uma boa educação, você tem uma boa saúde, por entender mais sobre certas prevenções que devem ser feitas; Você respeita mais outra pessoa, pois já que você entende a situação do outro, vai amá-lo mais. Então a educação musical deve está incluída nessa educação tradicional.

Blog MH - Você possui duas especializações, uma em arte e a outra em musicoterapia. Como você acha que a arte pode nos tornar mais humano?

Fábio Roberto -  Muitas pessoas são músicos, ou faz outro tipo de arte, mas quando você observa, você percebe que a arte ainda não as tocou. Quando a arte toca a pessoa, a sensibilidade dessa pessoa muda, ela começa a ver o mundo de uma maneira diferente. Há pessoas que são “artistas”, mas a arte ainda não as tocou. Como exemplo, eu posso citar Antônio Francisco. Se você conversar com ele, você vai perceber que ele transmite uma paz, uma coisa boa, acredito que nele a arte chegou e não saiu mais. 

Blog MH – Graduado e pós-graduado, como surgiu o interesse em cursar outra pós-graduação? No caso, a musicoterapia.

Fábio Roberto – Como eu falei antes, acho que as coisas acontecem como tem que ser, é incrível. Eu tinha acabado de acordar e me veio algo na minha cabeça que eu precisava usar a música, que eu tanto gosto, para ajudar as pessoas. Assim, eu me lembrei da Casa de Apoio a Criança com Câncer. Eu já tinha feito um projeto com Gianinni (cantor do Forró Danado) lá, anteriormente, onde fomos tocar em um São João. Então fui lá e conversei com a assistente social para que eu pudesse desenvolver algum projeto lá. Até então eu não conhecia nada de musicoterapia, eu só queria de alguma forma tornar mais felizes as crianças que estavam com câncer. Falei com Dr. Cury e nós criamos uma orquestra lá na casa de apoio, Alegria de Viver, eu assumi a coordenação e assim se estabeleceu aulas de flauta, de violão, teatro, de arte em geral. Eu fui cada vez mais me interessando e um dia pesquisando na internet, vi que existia o nome “musicoterapia”, até então eu não sabia. Pesquisei e vi que muita coisa da musicoterapia eu já fazia intuitivamente, mas eu não tinha o referencial teórico. Me interessei pela musicoterapia e comecei a pesquisar sobre o curso, vi que o mercado era amplo, aqui na região (o mercado nessa área é escasso de profissionais) e me interessei com essa nova possibilidade. Entrei em contato com o pessoal da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO) e o pessoal me falou que uma nova turma estava iniciando, então eu e Huda (professora do Conservatório) nos interessamos e nos inscrevemos no curso. Foram dois anos de curso. Pernambuco é um estado onde a cultura é muito valorizada, diversificada e difundida, então foi muito proveitoso para mim e recompensou todas as noites de sono durante as viagens de ida e volta (Mossoró – Olinda). Hoje eu fico muito feliz quando vejo depoimentos de várias pessoas da Casa de Apoio, que relatam que a musicoterapia os ajuda muito. Depois que conheci a musicoterapia, pude ver a música com outros olhos. Ela não foi feita só para simplesmente ser escutada, é algo muito mais abrangente. É gratificante trabalhar com musicoterapia.

Blog MH – Como você definiria a musicoterapia?

Fábio Roberto - É uma ciência que pode tratar as pessoas com os mais variados tipos de patologia. Ajuda na prevenção de doenças, que é muito importante, entre muitos outros benefícios. Espero divulgar e difundir a musicoterapia aqui na nossa região. Futuramente, quem sabe possamos abrir uma especialização na UERN, ou algo nesse sentido, para que mais pessoas possam cursar e, assim,  ajudar mais indivíduos que precisam.

Blog MH – Vemos muitas críticas sobre a música popular brasileira atual, tocada em rádio e TV, apoiada e escutada por uma grande massa. Como você vê a música brasileira, atualmente?

Fábio Roberto – Vejo na música brasileira uma mistura muito grande de vários ritmos, sotaques, com influências de outros países latino-americanos, de países europeus, africanos e entre nós mesmos. A mídia transmite o que é do interesse dela, no caso ela transmite uma música vendável, de entretenimento, com letras e arranjos não muito aprofundados, são músicas fáceis de vender. Claro que ainda há rádios onde é tocada uma música de maior qualidade, músicas alternativas. Como fala um amigo meu, não vou te dizer que Aviões do Forró é ruim, pois no São João de Mossoró, a Estação das Artes fica lotada. Na música tudo é questão de ponto de vista, eu respeito. Mas penso fortemente que deveriam ser oferecidas mais oportunidades e espaços para que pudessem ser divulgados outros gêneros menos conhecidos e de muito boa qualidade, como o chorinho. Não concordo muito nessa divulgação em massa de uma música com baixa qualidade e com letras banais que podem influenciar toda a sociedade. A música influencia o ser humano. Se fossem mais valorizadas músicas com letras mais bem trabalhadas, que pudessem influenciar beneficamente a sociedade, seria bem melhor para todos nós. Você pode perceber que hoje as pessoas não querem mais um esforço para pensar algo mais complexo, as pessoas perderam a capacidade de pensar musicalmente. Isso é complicado e deve ser repensado.

Blog MH – O que é ser musicalmente humano?

Fábio Roberto – É compreender que a música transforma pessoas e fazer o bem a todas as pessoas.

Blog MH – Um gênero musical?

Fábio Roberto – Só um fica difícil, direi três: música clássica, chorinho e música nordestina (em geral).

Blog MH – Uma música?

Fábio Roberto – Já que disse três gêneros, vou dizer três músicas: Jesus alegria dos homens (Johann Sebastian Bach), Carinhoso (Pixinguinha) e Que nem jiló (Luiz Gonzaga). 







Um comentário:

  1. Bela entrevista com esse grande musico e grande homem, pessoa simples, humilde e artista, é mais um dos grandes talento sem palco da terra de mossoró!!!

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