sexta-feira, 20 de junho de 2014

BMH Entrevista - Guilherme Paiva


Pós doutor pela Universidade de Brasília (UnB), pesquisador desta mesma universidade, professor do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), estas são algumas partes do perfil profissional de Guilherme Paiva Martins. Nascido em Brasília-DF, Guilherme cedo descobriu as duas paixões que o acompanharia pelo resto de sua vida: a música e a filosofia. Formado em filosofia, instrumentista, compositor, ele nos mostra que há muito o que filosofar sobre a música, assim como também há muito o que se compor e pensar na filosofia.     


Blog MH – Quem veio primeiro, a música ou a filosofia?
Guilherme Paiva – Na verdade elas vieram praticamente juntas, mas acho que a música ainda veio antes. Quando eu tinha seis anos de idade meu pai me deu um piano e eu comecei a tirar algumas músicas simples como “parabéns pra você”, inclusive comecei a tirar de ouvido. Lia a tablatura, mas já conseguia tirar as músicas de ouvido. Depois meu pai me deu um teclado, e aí minha tia me deu um violão, quando eu tinha doze anos, e então eu comecei a comprar revistas de música (naquela época vendia em banca) e comecei a tocar com um amigo, o Derez Marques, lá de Brasília – DF, que hoje tem uma banda chamada Amanita. Depois, com dezesseis anos, comecei a estudar violão clássico e nessa época, o “Chapinha” (irmão do Derez Marques) me passou alguns livros do Nietzshe, Walter Benjamin, alguns livros sobre existencialismo... Então a música veio um pouco antes, mas nesse processo a filosofia aparece, e aí eu começo a estudar a filosofia sem nenhum interesse de fazer ou me tornar professor. Naquela época o meu interesse era me tornar músico...

Então a filosofia surgiu na sua vida por causa da música?   
  
Guilherme Paiva – Isso. A música veio primeiro. Mas naquele mesmo momento, de convívio com esses dois amigos meus, que são irmãos, o Derez Marques e o Chapinha, eu acabei tendo um contato maior com a música e com a filosofia.

Blog MH – Quando você decidiu cursar filosofia?  
Guilherme Paiva – Com dezoito anos, eu decidi me mudar de Brasília-DF para ir morar em Parnaíba-PI. Lá eu também conheci muitos amigos compositores, entre eles o músico piauiense Teófilo Lima. Com ele tive parcerias musicais, tocando em uma banda que se chamava “Rabiscos” e escrevendo letras de músicas juntos. Com dezenove anos eu resolvo fazer vestibular, nessa época eu pensava em me inscrever para filosofia ou sociologia e acabei fazendo para filosofia...

Blog MH - Como foi esse processo de escolha?
Guilherme Paiva – Por conta de algumas leituras que eu tinha na filosofia. Já tinha lido Nieztshe, Sartre, pois havia lido o existencialismo, Walter Benjamin... Esses eram alguns filósofos que eu já conhecia.

Blog MH - Você falou que, antes da graduação, não pensava na carreira de docente. Quando surge a docência em sua vida?     
Guilherme Paiva – Durante a graduação eu fiquei ainda mais interessado em filosofia. Naquele momento já me interessava em fazer o mestrado em filosofia e me tornar professor de filosofia. Isso me levou a fazer pesquisas durante a graduação, então pesquisei Nietzshe e Michel Foucault durante a graduação e no mestrado também. Inicialmente fui fazer meu mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na época, orientado pelo Roberto Machado. Passei um ano morando no Rio de Janeiro. Sem bolsa, acabo retornando para Brasília e desistindo do mestrado da UFRJ. Em Brasília já começo a lecionar filosofia em algumas faculdades privadas, até que depois consigo entrar no mestrado em filosofia da Universidade de Brasília, com o Miroslav, que é um iugoslavo que estava vindo para o Brasil. Durante o mestrado eu acabei me desiludindo com a filosofia. Achei que a filosofia ficava muito restrita a analisar autores europeus e norte-americanos, então se colocava que a filosofia é para pensar a realidade, mas você, na verdade, não pensa sua própria realidade, você tenta interpretar o que os filósofos disseram.

Blog MH – Na filosofia, quais são seus principais estudos e quem mais te inspira?
Guilherme Paiva – Acho que Nietzshe, Foucault, Walter Benjamin, naquele momento (graduação) eram esses os filósofos que mais me inspiraram. Tinha um gosto por David Hume, pelos filósofos empiristas, mas as minhas principais referências eram esses: Nietzshe, Walter Benjamin, Deleuze, Foucault. Tem também o Sartre, mas depois de um tempo eu me afastei um pouco mais dele e foquei mais nesses citados anteriormente. Nesse momento (graduação), eu começo a estudar a genealogia do Nietzshe, na tentativa (claro dentro da proposta da filosofia brasileira de interpretar os filósofos) de conhecer o método da genealogia, depois o método da arqueologia e também da genealogia do poder de Foucault. Essas metodologias, hoje, me servem para outras finalidades em termos de pesquisa. Então eu vou para Sociologia, no doutorado. Decidi sair da filosofia e ir para a sociologia que é um campo totalmente diferente do que eu vinha pesquisando, apesar de ter uma relação que era o campo da educação. Então eu começo a conhecer muitos autores da sociologia, entre eles: Boudieu, Norbert Elias, Anthony Guiddens e começo também, através de uma professora chamada Maria Veloso, a entrar em contato com filósofos da América Latina, entre eles o Leopoldo Zea, e também com filósofos da África e de descendência africana como Franz Fanon, Anthony Appiah e o Stuart Hall. Então eu começo a ver como eu poderia utilizar aquele método da filosofia, tanto do Foucault, de análise dos discursos, como do Nietzshe, de uma genealogia como uma perspectiva histórica, para contribuir para a educação no Brasil. Então começo a trabalhar cultura no Brasil a partir desses referenciais da filosofia. A contribuição que eu busco trazer é a de analisar a realidade brasileira, tanto na área de cultura e educação, além de analisar nosso contexto contemporâneo e essa questão das tecnologias da comunicação e informação como forma de difusão da cultura.

Blog MH - Você falou que o estudo da filosofia brasileira se limita a interpretar os filósofos. O estudo filosofia brasileira difere dos estudos da filosofia em outros lugares?   
Guilherme Paiva – Bom, eu não sei e não posso lhe dizer isso, pois não tenho uma experiência de estudo da filosofia na Europa. Eu achava que tinha mais liberdade, mas quando eu vi a história da tese de doutorado do Foucault, que fez uma tese de doutorado sobre a história da loucura, e aí vai lá na banca, defende e depois da defesa a banca diz: "não, tudo bem, mas você vai ter que escrever um texto sobre Kant (ou sobre Hegel, não lembro agora)"... Essa já é uma tradição da própria filosofia, a de trabalhar com questão da interpretação dos filósofos. Talvez você encontre essa liberdade num momento de mais maturidade, por exemplo, Habermas, como ele trabalha com uma perspectiva interdisciplinar, ele não só utiliza de referenciais da filosofia, como também da psicologia, da sociologia. Ele discute esses referenciais  e utiliza desses referenciais para entender um determinado objeto, problemática, ou questão.

Blog MH – Quem são os principais pensadores da filosofia contemporânea, ao seu ver?
Guilherme Paiva – Hoje eu incluiria o Habermas, o Anthony Appiah, o canadense Charles Taylor e o Leopoldo Zea. Acho que depende do interesse de cada um, então esses são os que eu considero como grandes referências para mim. Esses são autores que me servem para uma visão e reflexão crítica sobre a dimensão social, cultural e política da sociedade.

Blog MH – Muito tem se falado, inclusive dentro das universidades, sobre os temas transdisciplinaridade e interdisciplinaridade. Como você analisa tudo isso?
Guilherme Paiva – Eu vou começar com a interdisciplinaridade. Existem algumas pesquisas sobre esse tema (interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade) que colocam a  interdisciplinaridade como uma forma de metodologia em que você utiliza o conhecimento de diferentes áreas. Então, por exemplo, se você trabalhar a questão do meio ambiente, você pode utilizar a ética e também a biologia, daí surge a bioética, uma nova área do conhecimento interdisciplinar que envolve duas áreas do conhecimento, e do conhecimento acadêmico, já que filosofia e biologia são conhecimentos acadêmicos. Veja que a interdisciplinaridade não envolve somente ciência, pois filosofia não é uma ciência. Então é uma relação entre a ciência e conhecimentos que não são científicos. A transdisciplinaridade já vai além da interdisciplinaridade. Ela também trabalha não somente conhecimentos acadêmicos, mas como também trabalha o chamado "conhecimento popular", os saberes populares. Com a transdisciplinaridade, você pode trabalhar, por exemplo: “quais são os saberes produzidos pela comunidade quilombola situada em Patu ou em Porta Alegre (aqui no RN)”. Essa relação em que você utiliza tanto conhecimentos acadêmicos, seja da sociologia, da antropologia ou da psicologia social (se você for trabalhar representações sociais), como também saberes populares produzidos pelas comunidades quilombolas. Então você transcende o limite da universidade, do conhecimento acadêmico, e vai para o saber popular. Esse é um aspecto transdisciplinar. O termo “trans” quer dizer além. Já o conhecimento interdisciplinar quer dizer uma relação, uma inter-relação entre conhecimentos científicos e não científicos. A transdisciplinaridade ela vai além, ela trata os saberes populares, os mitos... Ela tem um aspecto diferente para a produção de conhecimentos.

Blog MH – Você é um adepto desses novos pensamentos?  
Guilherme Paiva – Sou! Claro que isso também foi em função da criação do mestrado em ciências sociais e humanas (PPGMICSH-UERN), mas eu também tinha uma perspectiva interdisciplinar por eu ter saído da filosofia e ter ido para a sociologia. A criação do mestrado já me conduz para outro momento, esse momento transdisciplinar de sair do campo científico e ir para o saber popular.


Blog MH – Qual seria a visão da filosofia sobre a música e sobre a poesia?
Guilherme Paiva – Você não vai ter uma visão consensual. Vai depender dos autores, dos filósofos. Existem alguns filósofos, ou alguns profissionais da filosofia, estudiosos da filosofia que desconsideram a poesia, já outros vão ter uma visão que a poesia também é importante. Há filósofos que vão considerar a poesia como uma forma de retomar a questão do ser, da existência. Em relação à música, a filosofia também não tem uma visão consensual. Por exemplo, nós temos o Adorno que diz que o Jazz não seria uma forma de arte. Para ele a única forma de arte estaria associada à música erudita.  Então essas perspectivas não são consensuais. Pierre Levy vai analisar a música e suas relações com as tecnologias e vai nos oferecer outra visão sobre arte, música e cultura.

Blog MH – A partir desse debate existente na filosofia, poderíamos afirmar que a música e a poesia não teriam um conceito universal, totalmente definido?
Guilherme Paiva  - Como são formas artísticas e que existe vários tipos de interpretação é complicado ter uma consenso.  Por exemplo, você não tem um consenso em relação ao samba. Alguns teóricos vão dizer que o samba de roda origina o samba carioca, outros pensam diferente... E eles são especialistas em música, não se trata de filósofos. Então nem mesmo os especialistas têm um consenso sobre essa questão. Não existe um consenso sobre a origem do violão, se é uma origem árabe ou grega. Então é uma área em que as questões são mais complicadas. Sobre a poesia eu não tenho como falar, pois é uma área em que eu não tenho estudos aprofundados, mas eu vejo esse aspecto em relação à música.

Blog MH – E qual seria a visão do filósofo Guilherme Paiva sobre a música?
Guilherme Paiva – Na minha visão é um tipo de manifestação característica do ser humano. É possível, também, relacionar a música, o modo de construção da música, com o aspecto cultural. Você deixa de lado alguns modelos. Muito se define música a partir do padrão de música ocidental, mas a música produzida na África quebra esse padrão. Então penso que seja uma forma de manifestação do ser humano. Muito se fala que a música é uma manifestação artística, mas esse conceito de arte também foi construído em um determinado momento da história. Então a música é uma manifestação do ser humano, de uma cultura específica ou de um diálogo entre culturas, produzindo novas formas de manifestações musicais.

Blog MH – Assim como a música, a filosofia também vem sendo deixada de lado pela escola. Como você enxerga esse cenário onde a filosofia e a música não recebem a importância devida no ensino escolar?
Guilherme Paiva – Existem políticas do Estado, no sentido de que a filosofia retorne ao ensino médio, assim como a música... Eu vejo uma desvalorização dessas áreas, e às vezes uma visão preconceituosa que foi construída no Brasil, sobre a música. Essa relação que havia sobre a pessoa que toca violão, a boemia e a malandragem, então se você toca violão já sofre um estigma. Por outro lado, tocar piano é algo relacionado à nobreza, às classes mais altas. Isso relacionado ao estudo do piano. Mas não é um estudo que visa formar alguém para viver de música. Viver de música no Brasil é algo bem recente, vários músicos tiveram dificuldades como Ernesto Nazaré, Chiquinha Gonzaga... Por exemplo, o Jacob do Bandolim era funcionário público. Então existe uma desvalorização da música. A falta da filosofia nas escolas tem outras razões, como a do governo militar ter retirado a filosofia da grade escolar por a filosofia levar a um pensamento crítico, à reflexão crítica e isso não seria interessante. E hoje acaba tendo um desinteresse maior em relação à filosofia porque a sociedade de consumo atual tem um interesse no que é utilitário. Uma sociedade que possui meios de comunicação de massa que não levam à reflexão e, assim, as crianças e os adolescentes acaba tendo pouco interesse por essa questão de uma reflexão mais aprofundada seja sobre a sociedade, a política ou a cultura.

Blog MH – Você concorda que a música vem se tornando num produto comercial e perdendo a sua poesia?
Guilherme Paiva – Essa transformação da música em mercadoria ocorre desde a formação do sistema capitalista. Se analisarmos, Beethoven já vendia suas músicas, mas isso não quer dizer que sua música era comercial. Claro que na sociedade atual, o consumo leva a uma moda e ao que é o efêmero. Depois de um tempo aquilo deve ser trocado, é descartável. Mas ainda se tem expressões musicais que não se colocam como comerciais. Recentemente eu vi um link que mostrava Hermeto Pascoal, dizendo não ter interesse em ganhar dinheiro com a música, ele tem interesse em fazer música. Então o interesse dele é fazer e não comercializar a música. Então tem gente pensando diferente.    

Blog MH – O que é compor?
Guilherme Paiva – Se desvencilhar de uma visão racional e ir para uma dimensão mais contemplativa em que você não pensa em sistematizar. É um momento de inspiração.

Blog MH – O que é ser musicalmente humano?
Guilherme Paiva – É deixar fluir a música que você tem dentro de si. É colocar a música num papel, numa partitura ou executá-la em algum instrumento.

Blog MH – Um gênero musical?
Guilherme Paiva – Hoje, para mim é o choro.

Blog MH – Uma música?
Guilherme Paiva – Choro Nº 1 de Villa Lobos.




    

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